segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

O Peixe Mamífero

A Feira dos Pássaros em Fortaleza, é conhecida por oferecer quaisquer tipos de produtos. No meio daquele monte de gente, todos os domingos, é possível comprar ou vender qualquer coisa. Os exemplos vão de caixas de ferramentas para celulares, até hamsters. De pele de bode à roupa de cardeal e assim vai.
Então lá seria o lugar mais que indicado para eu iniciar a aquisição dos materiais para meu novo hobby, o aquarismo. A regra é não chegar na feira muito cedo. Assim você pode aproveitar as promoções de queima de estoque. Depois de atravessar o “setor” de eletro-eletrônicos (onde pude até ver um televisor National, igual ao que existia em minha casa, ainda no século passado), cheguei ao refúgio dos animais da feira. Sinceramente sentia-me num misto de Jurassic Park, a Ilha do Dr. Monroe e Cocoricó. Os peixes ornamentais são os bichos mais vendidos lá. E existem para todos os gostos. Percorri os corredores apertados procurando um bom aquário, pelo menos que me inspirasse confiança. Encontrei uma barraca muito organizada que vendia tudo para aquarismo... Iniciei minhas pesquisas, conversando com o vendedor. E logo me decidi em levar um PEQUENO aquário para vinte e cinco litros. (Lembrara que ainda voltaria pra Maranguape de ônibus). Quando fui passando noutra barraca um pouco a frente, chamou-me a atenção uma garotinha que se aproximava com seu pai. A pequena devia ter uns dez anos. Não sabia para onde olhar, com tantas atrações. Assim que conseguiu esticar o pescoço por sobre alguns sacos de pedras, numa barraca que vendia Peixes Betta perguntou: - Hei? Eu quero comprar um peixe, um aquário e a comidinha do peixe. Quero um peixe bem bonito, coloridinho, que goste de comer, porque o outro que eu tinha morreu de fome. – O vendedor olhou-a com um ar de admiração e se aproximou da menina. Resolvi parar, fingindo interesse em algum produto ali. – Pai. Aqui tem peixinho. – O pai da menina parecia extremamente cansado. (Já devia ter andado aquela feira inteira. A menina fazia o tipo que a menos de dez minutos, estava querendo levar um puddle pra casa). – Este peixe! – Ele apontou pra um peixe avermelhado dentro de uma garrafa de água mineral. – Ah! Esse aqui é um peixe de briga! – E mal terminou de falar... – Êh! Peixe de briga! – A menina ficou encantada com a informação. – Não, Aninha. Peixe de briga não. Vamos comprar um peixinho mais calminho. Pra ver se você se acalma também. – Tenho certeza que a Aninha nem ouviu. – Pai, compra um aquariozinho pra ele também. Olha! Tem aquele com uns espelhinhos. – Ela já estava do outro lado do pequeno balcão, nas pontas dos pés, esticando os braços para alcançar um objeto todo de vidro. – Ah! Eu vou dar comida todo dia pra ele ficar forte e brigar bem muito. – Nesta hora não resisti e deixei escapar um risinho. O pai da menina olhou pra mim e trasmutei o riso irônico num sorriso simpático e solícito, de certa forma. – “Vamo” Pai. – Forçou o velho a se aproximar um pouco mais. - Hei! Rapaz. Eu quero um peixe, um aquariozinho de espelho e um saquinho de comida. – Logo ela puxou do bolso uma cédula tão dobradinha, que não consegui perceber qual era o valor. O vendedor estava separando o aquário, quando abriu um sorriso. Notei que ele se inspirou... Ora, ele estava ali para vender seu “peixe”. – Pronto! O aquário e o peixe (o coitado ainda estava agora dentro de um saco plástico transparente). – Ele evidentemente fez um gesto bem exagerado quando colocou os “produtos” no balcão. O velho estava tirando a carteira do bolso para o pagamento, quando a menina falou nervosa: - Ele vai morrer de fome! Cadê a comida? “Taqui” o dinheiro. – Estendeu uma cédula de cinco reais, perfeitamente dobradinha. – Ah! Esse peixe é ótimo. Ele não come comida pra peixe não! Ele come isto aqui! – Mostrou um potinho plástico, cheio de um pó branco. Nesta hora fiquei intrigado, vejamos: aquele era evidentemente um peixe. Existe uma enorme variedade de comidas para peixes. Algumas até feitas à base de peixes. Mas isso não é problema. Nós mamíferos nos alimentamos comumente de outros mamíferos. Então o que aquele peixe comeria se não fosse comida pra peixe? – Ele come leite! – O rapaz falou tão baixinho, pertinho da menina, que só percebi o que ele falara porque li seus lábios. – Peraí... Agora era demais! Primeiro o cara diz que o peixe não come comida pra peixes. Sendo que qualquer comida que o peixe comesse seria automaticamente: comida para peixe. Mas que na verdade o peixe "come" leite... Então eu tinha acabado de encontrar um Elo Perdido. Vejamos! Segundo a teoria Evolucionista: Os peixes geram os anfíbios, que geram os répteis, que geram as aves, que por sua vez, geram os mamíferos. Mas naquele momento, segundo o vendedor, estávamos diante de um Peixe-Mamífero. – O quê? – O velho interessou-se pelo assunto. – Que diabo de peixe é esse que come leite? – É... Esta “raça” de peixe só come leite. – Aqui o vendedor olhou para mim, desconfiado. Ele havia percebido que tinha ido longe demais. O pai da menina a qualquer momento iria estourar... Ele já estava pagando vinte reais por um aquário para meio litro de água e um peixe betta ( O que era absurdo). Aqueles eram itens normalmente baratos naquela feira. – Rapaz eu sou pescador! – O velho senhor falou estufando o peito e suspendendo com certo esforço, a barriga proeminente. – Pronto! Agora fedeu! Vou ver uma briga agora. – Você quer dizer que ele come leite além da comida normal dele né? – Por trás da gente passaram alguns meninos correndo em disparada. Algum roubo, pensei. Minutos depois saberia que tinha sido um roubo sim. Estavam levando um aparelho de DVD portátil. – Não senhor. Ele só come leite. Quer dizer, nesta idade ele come leite, mas quando ele é novinho, aí não. Ele mama! – Parênteses: (Também conhecido como “peixe de briga”, esse peixe da família dos Anabantídeos é originário da Tailândia. Seu nome vem de uma tribo de índios, onde os guerreiros eram chamados de “Bettahs”. A alimentação dos Bettas deve ser feita com a comida, em forma de ração, encontrada nas lojas especializadas, com comidas vivas, como as artemias e até mesmo com gema de ovo cozida, mas isso deixa a água extremamente suja, A LITERATURA ESPECIALIZADA NÃO CITA LEITE!). – Rapaz! Que mentira!? Eu sou conhecedor de várias espécies de peixes! – O velho deve ser Biólogo aquático! Pensei. – Sou pescador, meu amigo! Passa logo meu troco e inclui um saquinho de ração. – Ele já estava meio nervoso. – Meu senhor. O senhor já pescou na Tailândia? – O vendedor até usou uma voz grave e pausada, quando perguntou. – Sei nem onde é Tailândia! – Respondeu meio desconfiado, o desconfiado. – Pois é. Este peixe vem da Tailândia. Mas o senhor não sabe que baleia mama? Golfinho também não mama? E não são peixes? – Velho truque do argumento sem futuro, mas dito com segurança. – É mesmo! Eles mamam mesmo. – Nervosismo eu não notava mais, no tom com que o “cliente dos sonhos” para qualquer “vendedor esperto”, falou. – Então é isso. Agora não pode ser leite de marca boa não. Tem que ser aquele tipo que quando bota na água ele faz bolota. – Era serviço completo mesmo. Mas só então percebemos que a Aninha não estava mais por perto. Ela estava em outra banca, encantada com os canários e periquitos australianos. – Hei! Ana!? – O pai da menina esbravejou. Ela chegou eufórica. – Pai, compra um papagiozinho daqueles pra mim? – Tenho certeza que eu, o vendedor e o pai dela pensamos a mesma coisa juntos. – Não, não quero mais o peixe não. Quero o papagaio. É legal porque ele fala! Esse peixe nem fala! – O rapaz já estava recolhendo o aquário e recolocando o peixe num tanquinho. Foi quando o velho disse baixinho: - Não! Eu vou comprar! Vamos levar é o peixe! Vou mostrar pro povo lá de casa. O peixe. Ah! E me dá um potinho do leite do peixe. – Aninha prontamente mudou de idéia. Já estava feliz novamente. Até hoje fico imaginando a meiguice que deve ser ver um peixinho novinho, mamando!

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